quarta-feira, 3 de agosto de 2011

ADOTE UM NEGATIVO

Hoje é início de mês e o meu salário, ou melhor, remuneração, pelos trinta dias trabalhados no mês anterior já se foi. Inteirinho. Olhei no extrato para ver se não havia engano e encontrei a triste realidade: saldo negativo. Ou como preferem alguns, saldo ascendente ao contrário. Tipo no futebol a tabela do Z4, aqueles que serão rebaixados.
Já pensei até em conversar com meu gerente para conseguir uma remuneração do meu negativo, mas o que ele conseguiu foi aplicar uma remuneração invertida, ou seja, que eu deveria pagar ao banco. Pensei como pode. Trabalhei 22 dias, oito horas por dia, e em menos de cinco dias, com uma hora por dia gastei tudo que ganhei. Ingrata essa fórmula de remuneração do trabalho. Deveria ser ao contrário. Trabalharíamos cinco dias e gozaríamos o restante. Tentei um consolo, pensar que dinheiro não é tudo na vida, existem coisas melhores para aproveitar. Não consegui. Acho que por que sou capitalista e gosta das coisas boas da vida que são pagas. Já tentei inclusive um trabalho extra, mas não consegui seguidores e ainda perdi mais um pouco do meu pequeno capital. Não tinha jeito para a coisa. Imaginei que poderia ter sido jogador de futebol o artista de novelas, afinal eles ganham tanto. Desisti do futebol, afinal jogava de goleiro e era frangueiro. Na novela nem tentei. Apesar de todo esse esforço meu extrato continuava inerte, crescendo que nem aipim. Um amigo me indicou a bolsa de valores, mas com a ressalva de somente aplicar aquilo que estivesse sobrando. Como não tenho nada sobrando, mas sim faltando, passei a vez. Procurei um auxílio especializado. Um analista, que mais parecia uma calculadora, somou os meus rendimentos e as minhas contas e chegou à seguinte conclusão: que eu ganhava menos do que gastava. E o desgraçado ainda me cobrou para dizer algo que eu sabia. E com o ar superior ainda disse que eu deveria economizar. Mas economizar como, tinha filho na faculdade, uma prestação no Minha Casa Minha Vida, uns crediariozinhos, o supermercado, afinal alguma coisa teríamos que comer além de beber água. Sem contar água e a luz. Não, não tinha como economizar. Pensei em fazer um seguro de vida, mas o gerente me alertou que em casos de suicido o banco não pagava a apólice. Não tive outra escolha. Adotei o negativo como se fosse um filho. Afinal um a mais na casa não faria diferença.
Todo mês eu pagava a sua única prestação, aqueles módicos jurinhos, e ele ficava quietinho sem reclamar. Não reclamava da comida fria, da TV sem cabo, do futebol no domingo, da pelada com os amigos. Era o filho que pedi a Deus.  Santo e bondoso negativo. Quando aprendi a conviver com ele, tudo mudou. Hoje sou feliz. Eu, minha esposa, e meus filhos Paulinho e Negativo.

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